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Propagando do show que rolou normalmente em São Paulo no dia seguinte ao caos campineiro |
Dia 4 de dezembro
de 1998, ou seja, há exatamente 20 anos a região de Campinas estaria entrando
pra história do Heavy Metal no Brasil,
mas pelos motivos errados...
Quando anunciaram
que o IRON MAIDEN (na fase Blaze
Bayley, divulgando o disco “Virtual XI”)
viria tocar em Campinas acompanhado do HELLOWEEN
(lançando “Better Than Raw”) a nossa
região simplesmente caiu de joelhos! Um sem-número de jovens, adolescentes e
jovens senhores de cabelos grisalhos se uniram numa mesma causa e marcharam
para Campinas (vindo de todas as partes do interior paulista e sul de Minas
Gerais) naquela sexta-feira insuportavelmente quente em busca de realizar
sonhos de ver seus ídolos de perto, muitos pela primeira vez, não era meu caso,
pois já tinha visto as duas bandas juntas na terceira edição do festival Monsters of Rock de 1996 em Sampa (leia
mais sobre: http://tocadoshark.blogspot.com/2016/07/monsters-of-rock-iii-20-anos-depois.html).
Eu, saindo de
Mogi Guaçu, enchi uma van com fãs
ardorosos de Metal e chegando lá
encontrei mais uma porrada de amigos da nossa cidade por lá, torrando naquele
solão que em pouco tempo se converteu em nuvens negras e pesadíssimas (sem
trocadilhos), sim, não menos que de repente uma tempestade daquelas dignas de
páginas da Bíblia caiu sobre Campinas, fodendo literalmente com todo mundo que
amargava horas (alguns há dias) naquela maldita fila do lado de fora do estádio
de futebol do time campineiro Guarani, o “Brinco de Ouro da Princesa”, como é
conhecido.
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Antes da tempestade era tudo festa. |
Após horas e com
a noite chegando, a turba de cerca de seis mil fãs começaram a forçar os
portões quando a segurança do evento resolveu deixar todo mundo entrar, sem nem
botar as mãos sobre nós em revistas ou para pegar os ingressos, sim, foi um
verdadeiro estouro de boiada, eu fiquei com o ingresso no bolso de trás da
minha calça e a água não parava de cair... (outros entregaram seus ingressos
mais tarde)
Quando avistei o
palco falei pra um colega que estava comigo, o Luiz Cláudio: “...véio, o que é
aquilo ali? Um palco de comício?” ao que ele me retrucou: “... não sei, mas
vamos colar na grade, hahaha ...”
GRADE? QUE GRADE?
Juro, não tinha
NADA que me impedisse de arrancar o tênis do Steve Harris assim que ele botasse
o pé no retorno. Estávamos debruçados na beirada do palco e aquilo tava
cheirando muuuuuito mal, outros amigos ali do lado estavam tão chumbados de goró
que nem ligavam, mas eu tava ‘somando 1+1’ e notei que não haveria remota
possibilidade de uma banda grande tocar naquelas condições. A única referência
ao MAIDEN que ali estava era a ‘casinha’
de onde o EDDIE saía durante os
shows, montada atrás dum kit de
bateria sem vergonha de pequeno. E o HELLOWEEN?
SIM, nós ali na frente vimos Markus Groskopf (baixista) espiando a platéia de
dentro daquela casinha do EDDIE e ele
ainda nos deu um tchauzinho daquele
jeitão risonho dele. Eles (o HELLOWEEN)
estavam ali no estádio, já Steve e Cia eu duvido muito. Há quem diga que eles
estavam no helicóptero que sobrevoava o estádio, mas, enfim...
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Dizem que os portões
foram fechados em mais duas mil pessoas ficaram lá fora e foram avisadas que
não haveria mais o show devido à chuva e os estragos causados no palco, mas
nós, lá dentro só fomos avisados mais umas horas adiante, por volta das 23 hs e
à essa altura a galera já tava de saco cheio e arrancando os tapumes de madeirit que protegiam (?) o gramado e
fazendo cabaninha pra se enfiarem debaixo, quando uma voz saiu do P.A.
anunciando o ‘adiamento do show’ os fãs começaram a jogar aquilo tudo contra o
palco. Eu e o Luiz Cláudio corremos pra barraca de merchandising do HELLOWEEN
que estava montada no estádio, onde comprei minha camiseta quando entramos e a
barraca tinha desaparecido, ele ainda me falou pra corrermos pra fora, pois a ‘chapa
ia esquentar’. Nessa hora a Tropa de Choque da PM já tinha tomado o estádio,
olhei pra trás e vi nego em cima do palco arrancando tudo que tinha de
equipamento e lançando pra longe, pratos e ferragens da pequena e solitária
bateria, caixas de retorno, tinha gente dependurada na fraca estrutura de
iluminação arrancando os holofotes e mandando pro gramado... corremos pra
portaria do estádio à fim de sairmos de lá com vida, mas um PM veio de frente e
tentou me acertar com o cassetete, ao que eu dei muita sorte de desviar.
Tentamos ir pra uma espécie de ‘globo de vidro’ parecido com um aquário pequeno
que estava cheio de ingressos na entrada, e do nada surgiu um cara dando voadora
naquilo, que cuspiu ingressos pro ar e pro chão ensopado. Nosso falecido amigo
Marquinho e seu filho Roger cataram um monte daqueles ingressos.
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Como não
conseguíamos sair do estádio e o risco aumentava, corremos arquibancada acima
quando encontramos dois amigos mais novos que foram de carro com outro cara, o
Polaco e o Marolo, os dois em seu primeiro show internacional, eles ainda eram
menores de idade na ocasião. Chamamos eles e nos ilhamos lá no topo da arquibancada,
longe da confusão e da polícia. De lá de cima, com visão privilegiada
assistimos por cerca de meia hora ou mais a praça de guerra que o estádio tinha
se tornado. Tiros de borracha e bombas de efeito moral estouravam feito pipoca,
gente dando e levando porrada pra todo lado, sangue, muito sangue, muito suor e
muita chuva! Quando o barulho diminuiu descemos e encontramos condições de sair
do estádio. Ficamos olhando de longe, um quarteirão de distância, de uma
esquina ao lado de uma boa meia-dúzia de motos da polícia, pois precisávamos
achar os outros integrantes da nossa van
para podermos voltar pra casa. De novo, do nada surge um doido com um cone de
trânsito nas mãos e golpeia a primeira moto derrubando ela e desencadeando um
efeito dominó, motos por cima de motos, retrovisores e pedaços diversos das
carenagens voavam e a polícia vinha pra cima de novo. BORA CORRER OUTRA VEZ
CARAIO!
Quando resolvemos
que era hora de ir pra van e parar de
correr, encontramos quase todo mundo dentro da mesma nos esperando, QUASE TODO
MUNDO, pois ainda faltavam uns 2 ou 3, não lembro, entre eles o Rafael (futuro
vocalista do INSIGNIA) ao qual eu e o Cláudio voltamos pra procurar. “PUTA QUE
PARIU, vamos ter que descer naquela desgraça de novo?” Pois é, daí já
avistávamos uma catraca do estádio no meio da rua, que isso meu? Quem teria
força pra isso? Hulk?
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Eis que, no dia
seguinte, com todos nossos camaradas sãos e salvos de volta aos seus lares,
estava eu acompanhando os noticiários, vi que devolveriam o dinheiro dos
ingressos pra quem ainda o tivesse em sua posse. FALA SÉRIO? Eu tinha o que
equivalia a 50% dele, o resto era farelo que ficou grudado no bolso de trás da
minha calça com tanta chuva, mesmo assim eu ia pra Campinas pegar minha grana
de volta. Resolvi ligar para alguns amigos que foram no show pra ver quem tinha
ingresso, eu reuniria eles e pegava a grana pra todos, era só eles pagarem
minhas passagens de ida e volta. Quando fui a casa do Marquinho ele veio com um
saco com cerca de 50 ingressos ou mais (lembra que eu falei que o filho dele
tinha recolhido uma porrada de ingressos pelo chão, quando estouraram a bola de
vidro?). Ele me deu uns 6 daqueles e disse “...pode ficar com a grana desses
pra você...”
No primeiro dia
marcado pra trocar os ingressos nas bilheterias do estádio eu fui, uma baita
fila, muita polícia e sol, mas desta vez a imprensa tava em cima, carros da
Globo e SBT regionais e outros jornais e rádios de plantão e muita gente que
não conseguiu receber a grana dando entrevistas. Daquele saco de ingressos que
levei, muitos foram descartados devido à situação deteriorada deles, inclusive
o meu (que eu deveria ter guardado de lembrança), mas mesmo assim, voltei com
uma bolada de grana no bolso.
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Antes de voltar
pro Guaçu, passei numa espécie de livraria que tinha vários LP’s na vitrine e torrei minha parte
toda em vinil (exceto o valor das passagens, óbvio). Comprei umas relíquias
impecavelmente conservadas que tenho e adoro até hoje, entre eles um SCORPIONS “Taken by Force” e dois QUIET
RIOT, “Metal Health” e “Condition Critical”, ou seja, pra mim,
que já tinha visto as bandas dois anos antes, o saldo desse caos todo foi
positivo, pois voltei com uma pá de vinil debaixo do braço e muuuuuuuitas
histórias pra contar e relembrar até hoje, vinte anos depois!
Ah, sobre o
produtor dessa tragédia, bem, parece que mataram ele 10 anos depois... enfim...
essa é a vida.
Fotos de recortes de jornais regionais dos arquivos do Shark.
(Alexandre Wildshark)