Que o STRESS é uma banda pioneira que gravou o primeiro disco de Heavy Metal do Brasil e ainda por cima independente lá em 1982, uma banda proveniente lá do norte do país, ou seja fora do eixo RJ-SP todo mundo hoje em dia sabe e reconhece. Agora vamos desvendar um pouco mais da carreira desse power-trio de Belém do Pará com seu mentor, vocalista, baixista e frontman Roosevelt Bala, o "Coração de Metal"!
TOCA DO
SHARK: Relembrando 35 anos atrás, aquém a todas as dificuldades que você e seus
amigos que gostavam de Rock Pesado enfrentaram em Belém do Pará em plena
ditadura militar, do quê mais você sente falta daquela época inocente e quase
'romântica' dos fãs de Rock?
ROOSEVELT
BALA: O diferencial daquela época era que os poucos roqueiros que existiam na
cidade pareciam fazer parte de uma grande irmandade, mesmo sem se conhecerem
pessoalmente. Os shows eram raros, só o STRESS fazia show de Rock pesado por
aqui, um ou dois por ano. Mas, percebia-se que a comunidade Rock toda se
mobilizava pra ajudar na divulgação e comparecimento. Não havia individualismo,
concorrência nem radicalismos por estilos. Tudo era Rock, o mesmo roqueiro
curtia de E.L.P. a BLACK SABBATH.
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Roosevelt Bala ao vivo em 2003 |
TS: A
jornada do STRESS para gravar seu primeiro disco nos idos de 1982 (o qual
acabaria sendo o primeiro disco de Heavy Metal do Brasil) hoje é bem conhecida
e amplamente divulgada, mas nem sempre foi assim. Lembro bem que antes de 2005
(quando do retorno da banda à atividade) esse assunto era sumariamente ignorado
pela mídia Rocker do Brasil que teve incontáveis revistas, programas de TV e
rádio durante os anos 90 (época de certa inatividade da banda). Como você nos
descreve essa entressafra da banda?
BALA: Foi
um momento em que o Rock no Brasil, do pop ao pesado, tiveram uma queda, na
produção e na mídia. Mas, isso já vinha desde os meados dos 90’s e se estendeu
por mais de uma década. Em meados dos 2000’s o cenário foi melhorando. Resolvemos
retornar aos palcos, o momento era bom para o Rock, nossos discos estavam sendo
relançados na Europa, gravamos o primeiro DVD, fizemos alguns bons shows, no
Rio, Sampa, Brasília, Fortaleza, Campinas, etc... A partir daí, tivemos a
notoriedade da imprensa, até inauguramos a ‘Background’
da revista Roadie Crew, como a primeira banda nacional a estar por lá. Gravamos
dois hinos: ‘Coração de Metal’ e ‘Brasil Heavy Metal’, que virou a trilha do filme.
Tudo são consequências da banda voltar à atividade, isso é natural.
TS: Em
algum momento você se sentiu frustrado pela obra do STRESS não ter atingido um
número suficiente de fãs e não ter reconhecimento internacional do pioneirismo
da banda?
BALA: Acho
até que o reconhecimento foi grande, pois, se formos ver, ficamos apenas dois
anos em atividade efetiva. Saímos de Belém em 85, onde já éramos bem
reconhecidos e paramos em 87.Conquistamos muito em pouco tempo de atividade
fora de nossa cidade.
Quebramos
muitos tabus (tocamos metal na Xuxa, rsrs), fomos os primeiros a gravar por uma
multinacional (Polygram), enfim, para uma banda que tocou pouco e parou cedo,
acho até que o legado e a lembrança estão de bom tamanho.
TS: Até
hoje fico impressionado pela alta qualidade das letras muito bem escritas do
primeiro disco da banda, com um português super refinado e muitíssimo bem
colocado. Isso é uma espécie de particularidade do norte/nordeste brasileiro
que é apontado por muitos escritores como as regiões onde se fala o Português
mais correto do país?
Um dos
grandes exemplos disso é uma rápida comparação das letras das bandas do sudeste
da mesma época, que eram mais na raça e às vezes até simplórias demais em relação
às do STRESS. Diga-nos como vocês fizeram para encaixar essas pequenas obras
literárias no som das nervosas guitarras sem soar maçante?
BALA: Sabíamos
que o nosso som era pesado, rápido e trabalhado do jeito que gostaríamos de
ouvir outra banda tocando. O outro elemento que deixaria nosso som ainda mais
poderoso seria a mensagem contida nas letras, além da melodia é claro. Éramos
garotos, quando começamos a compor as músicas, na faixa de 18 anos. Mas já
tínhamos uma boa dose de politização e consciência social. O André tinha (tem)
o dom com as palavras, sabia (sabe) muito bem usá-las pra expressar seus
pensamentos, que eram comuns a nós da banda. Pensávamos muito parecido, ele
colocava no papel e eu musicava. Assim começava nossa parceira, que deu origem
a grandes clássicos do metal brasileiro, cantado em Português, onde não se pode
(ou não se deveria) falar abobrinhas.
Essa junção
do som pesado, trabalhado, melódico, com letras de bom conteúdo é uma marca que
vamos prezar sempre no som do STRESS.
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Primeiro disco de Heavy Metal do Brasil. (1982) |
TS: ‘O
Lixo’ é uma das letras mais fortes e atemporais do álbum de estreia da banda
que inclusive quase não passou pelo crivo da censura imposta na época,
conte-nos mais sobre essa bela letra e o episódio.
BALA: Na
época da ditadura militar a censura era bem rigorosa, mas era burra também. O
nome da música era ‘Lixo Humano’, fala da miséria e da degradação do indivíduo,
esquecido pela sociedade. A mesma foi vetada por, segundo eles, denegrir a
imagem do homem. Na verdade a gente estava falando era do descaso do governo
para com essa fatia da população. Fizemos então uma pequena alteração no texto:
Onde estava escrito “Lixo humano” colocamos “Lixo, mano”. No final das contas,
no meio da melodia, não tinha diferença nenhuma. No entanto, para a censura
passou a ficar bom e a letra foi aprovada.
TS: Desde
o retorno oficial da banda em 2005 várias foram as conquistas da banda, como a
gravação do DVD ao vivo, os lançamentos e relançamentos dos discos da banda na
Europa em formatos luxuosos, shows de abertura para bandas do porte do IRON
MAIDEN e agora o tão ultimamente aguardado "Brasil Heavy Metal"
(documentário) será lançado quase que na mesma época do disco-tributo ao
STRESS. Mesmo com toda essa visibilidade tanto aqui quanto no exterior vocês
nunca tiveram a oportunidade ou nunca pensaram em excursionar pela Europa ou
América Latina?
BALA: Ainda
tenho essa vontade de fazer shows na Europa, estamos preparando isso para
depois do lançamento do nosso Box (artigo de luxo contendo toda nossa obra e
outros souvenirs) pela Metal Soldiers Records, previsto para 2014. Hoje em dia com
nossas vidas particulares encaminhadas em outros setores, fica bem difícil
encarar turnês longas. Mas vamos nos programar para essa turnê de 2014, um mês
fazendo shows direto na Europa.
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Show com IRON MAIDEN não é pra qualquer um. |
TS: Ainda
'batendo na tecla' do retorno da banda eu pessoalmente gostaria de lhes
agradecer pelo feito pois desde então proporcionaram ao nosso cenário mais
alguns clássicos indubitáveis do estilo como ‘Coração de Metal’ , ‘Brasil Heavy
Metal’ (que meu filho adora), ‘Heavy Metal é a Lei’ entre outras. Agora nos
diga, essas músicas já existiam em algum lugar nos arquivos da banda ou floresceram
nesses últimos anos mesmo?
BALA: Bem
a propósito, acho interessante esse dom que o STRESS tem de fazer canções que
se tornam clássicas, verdadeiros hinos do Metal BR, que caem no gosto dos Bangers
de todas as idades. Nossa ideia é até bem simples: Tocamos o que gostaríamos de
ouvir como Headbangers, pois, pensamos e sentimos o Metal como cada um deles,
temos isso em comum. A música ‘Coração de Metal’ existe desde 86, já tocávamos
nos últimos shows que fizemos antes da parada em 87. Gravamos a “demo” oficial
somente em 2005, quando ela passou a ser mais conhecida, através da internet,
tornando-se uma referência atualmente, unindo as duas gerações. Já a música
“Brasil Heavy Metal” foi composta especialmente para entra no CD coletânea do
filme. Mas caiu no gosto do produtor do filme (N. do R.: Ricardo Michaelis
guitarrista fundador do SANTUÁRIO) tornando-se o tema principal, virando clipe
e tudo mais. Ela canta a história de milhões de Roqueiros que viveram os
primórdios do Metal no Brasil, como músicos ou como fãs do estilo. A última
composição mencionada, ‘Heavy Metal é a Lei’, foi feita no ano passado, 2012,
seguindo a mesma linha, exaltando nossa paixão incondicional pelo Metal, coisa
que é ponto comum em todos os seguidores do estilo pelo mundo afora. Não tem
mistério, tocamos e cantamos o sentimento do Headbanger!
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single 'Coração de Metal' (2004) |
TS:
Gostaria que você citasse ao menos 5 bandas brasileiras da nova safra que você
costuma ouvir e acredita em seus trabalhos em prol do Metal Brasileiro.
BALA: Certamente
vou acabar esquecendo algumas outras, mas basicamente curto a garotada que faz
som inspirado nos anos 80, sou old school mesmo, rsrs. Gosto da galera do
COMANDO NUCLEAR (SP), do EM RUÍNAS (SP), COMANDO ETÍLICO (RN), MADAME SAATAN
(PA) e NERVOSA (SP)... O futuro do Metal BR tá em boas mãos.
TS: Ainda
falando na cena atual gostaria que você nos falasse um pouco sobre os problemas
enfrentados pela banda em relação ao fatídico não-evento M:O:A: que nos
envergonhou no ano passado. Muita gente diz "vamos deixar isso pra
lá", mas eu que estive lá em carne e osso naquela semana digo, não podemos
nos esquecer daquilo, para que não se repita, como já dizia um filósofo
"Um Povo sem memória é um povo que tende a repetir seus erros."
BALA: Foi
uma das maiores frustrações da minha vida. Me senti com você e os outros que
foram enganados e humilhados por aqueles pseudo-produtores. Nossa região
Norte/Nordeste é muito carente de eventos desse porte. Essa falha absurda, do
jeito que foi, tornou tudo mais difícil ainda. Hoje em dia tem bandas que
relutam em vir tocar pra cá, pelo que aconteceu no M.O.A.. Não podemos esquecer
dos responsáveis por esse retrocesso de respaldo que estamos enfrentando agora.
Devem ser punidos e limados do showbusiness.
TS: Pra
descontrair um pouco agora vou citar o nome de algumas bandas seminais da
história do Rock Pesado Brasileiro e gostaria que você nos dissesse algo sobre
elas, suas impressões sobre elas ou alguma experiência vivida junto a algumas
na estrada:
DORSAL
ATLÂNTICA
BALA: Um
dos pilares do som pesado no Brasil... Abriram nosso segundo show no Circo
Voador (RJ), em 83. Ainda não eram pesados, tocavam Rock‘n’Roll e Metal
tradicional (cover). Mas depois criaram seu estilo pancada e merecem todo o
respeito.
AZUL
LIMÃO
BALA: Assisti
pela primeira vez em 85,em Duque de Caxias (RJ). Levei quase duas horas pra
chegar ao show e vi só a última música,rsrs .Fiquei fã na hora. Fizemos shows
históricos juntos no Caverna e no Circo (ambos no RJ).
METALMORPHOSE
BALA: Meus
amigos, irmãos do Metal. Sou fã dos caras, pois fazem um Metal de qualidade com
melodia, peso e boas letras. Vieram a Belém para o nosso show de 30 anos,
fizemos vários shows juntos no passado e na atualidade. Irmãos!
MADE IN
BRAZIL
BALA:
Banda precursora do Rock no Brasil. Quando criança eu ficava olhando as capas
dos LPs, admirando o visual e a atitude. Depois de crescido, tivemos eles como
banda de abertura em um show no Rio. Fiz questão de carregar o case do
contrabaixo “estrelado” do Osvaldo Vecchione foi uma honra pra mim, rsrs.
PATRULHA
DO ESPAÇO
BALA: Conheci
o som dos caras somente em 82. Depois me interessei por sua história, a qual me
fez respeitar a banda. Nunca tive contato pessoal com seus integrantes. Mas estão
na história do Rock/Metal brasileiros.
SALÁRIO
MÍNIMO
BALA:
Banda antológica do nosso cenário. Depois de muitos anos de estrada, viemos a
nos encontrar em para tocar juntos, em shows em Sampa e no Rio. Caras muito
Brothers, e tocam pra cacete.
KORZUS
BALA:
Ícone do Metal brasileiro. Ganharam mais ainda o meu respeito com o puta show
que fizeram no M.O.A. e com a atitude de verdadeiros Rockers. A interpretação
do Pompeu cantando Brasil Heavy Metal foi fuderosa!
OVERDOSE
BALA: Uma
das maiores bandas brazucas. Tocamos juntos do célebre festival de Juiz de Fora
em 1986 .Éramos muito amigos, especialmente do Claudio e do Bozó. Entramos de surpresa em um show deles em BH,
em 86, cantamos ‘Última Estrela’, nos abraçávamos e conversávamos no meio da
apresentação, hilário, rsrs. Acabei passando quase um mês na casa do Bozó.
Muita cerveja e Metal... rsrs...
SEPULTURA
BALA: Sem
dúvida a maior expressão do nosso som pesado. Merece todo o respeito. Em 85,
com o STRESS já bem conhecido, fui ao estúdio onde eles estavam gravando o
Split de “Bestial Devastation”,em BH. Fui recebido com muita euforia pelos
garotos. Ouvi a gravação deles e disse a eles que aquele som iria arrebentar. Eles
ficaram muito contentes. E não deu outra, rsrs. Depois fiquei sabendo que eles
costumavam declarar que começaram a tocar por influência dos paraenses do
STRESS. Ainda chegamos a tocar juntos, logo no início da carreira deles, no
Rio, eles abrindo pra gente. Hoje em dia isso seria muito difícil, rsrs.
TS:
Faltou alguma banda que você gostaria de citar?
BALA: Quando
garoto, nossas inspirações eram nas bandas de Rock Brazucas: MADE IN BRAZIL ,
CASA DAS MÁQUINAS, O TERÇO, O PESO, OS MUTANTES... Essas bandas merecem os
créditos por terem começado a história do Rock Brasileiro, que culminou
posteriormente com o incrível movimento Metal que temos hoje.
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André Chamon (bt), Roosevelt Bala (bx/v), Paulo Gui (g) - STRESS. |
TS: Este
espaço eu reservo para você dizer algo que achou que faltou dizer nessa
entrevista.
BALA:
Nosso cenário Metal já foi muito forte. O que eu lamento é a segmentação que
ocorreu desde os meados de 80 pra cá. As dezenas de subdivisões do Metal
enfraqueceram o potencial total desse estilo. Isso é uma pena. Só posso dizer
que fui um grande privilegiado, por ter vivido e participado do surgimento
desse movimento, ao lado dos colegas de bandas espalhadas por todo o país. Espero
que a nova geração não deixe a peteca cair.
Um pesado
abraço a todos os leitores da TOCA DO SHARK!
ROOSEVELT
BALA (Março de 2013).
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Documentário "Brasil Heavy Metal" a ser lançado um dia... |
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"III" (1996) |
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"Flor Atômica" (1985) |
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"Live'n'Memory" (2009) |
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Tributo que está previsto para Julho deste ano. |
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Bala e Gui na linha de frente |
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Público fiel! |
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Paulo Gui e Andre Chamon
ainda de cabelo curto na reunião em 2004 |
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André Chamon (STRESS e X-RATED) |
Fotos gentilmente cedidas por Roosevelt Bala (arquivo STRESS).