segunda-feira, 3 de junho de 2019

UGANGA – O REFLEXO DA SABEDORIA SÓCIO-ESPIRITUAL NO CENÁRIO DO SOM PESADO BRASILEIRO.




TOCA DO SHARK: Primeiramente, para nos situarmos, explique o conceito por trás de “Servus” como um todo.
Manu Joker -
A idéia do título vem da palavra do latim “Servus” que significa “Escravo”. Somos, a meu ver, todos escravos de idéias que não são nossas, de necessidades que não são nossas ou de ideais que não são nossos.Também nos colocamos voluntariamente, enquanto seres humanos, como escravos da tecnologia, dos nossos vícios, das modas, das nossas fraquezas. O conceito inicial vem daí, mas é mais amplo.     Também tem uma ligação com a palavra “servir”. Servir não é ser serviçal, mas doar algo de você, mesmo que bons votos, para outra pessoa, para um animal ou para a mãe natureza. Tem a ver com se libertar de amarras, seguir a sua verdade e buscar o seu caminho dentro daquilo que você acredita ser o certo. Não o que lhe é conveniente, mas o que realmente você sente como certo. Acredito que no fundo todos sabemos o que é certo ou errado. “Servus” encerra uma trilogia inspirada no hinduísmo que começou com o “Vol. 03: Caos Carma Conceito” (2010). Esse disco representou Shiva (destruição), depois veio o “Opressor” (2014) que representou Vishnu (conservação) e foi encerrada no “Servus” que representa Brahma (criação).

     Nosso novo álbum é um olhar pro futuro e para o renascimento da humanidade abordado no hinduísmo como “Idade do Ouro”, onde o leão e o cervo bebem água no mesmo riacho. Pode parecer complicado, e deve ser mesmo (risos), mas em essência trata de seguir a sua verdade e não a dos outros.

T.S.: E a capa? Tem relação direta com a situação de intolerância religiosa que o país enfrenta?
Manu -
Também, mas não só. Obviamente somos contra qualquer tipo de intolerância, e o fato do feiticeiro na capa usar colares da umbanda e do budismo, pintura Caiapó, do fogo fazer uma alusão a rituais pagãos, e da luz saindo da testa fazer referência direta ao Raja Yoga/Hinduísmo,  é sim uma provocação contra toda essa merda preconceituosa ocidental de se achar superior a quem não pensa como você, ou não segue a sua religião. Ou não respeita o seu direito de não ter religião. Em tempo,“Uganga” significa feitiçaria em Swahilli. O Wendell Araújo fez essa arte incrível inspirado por conversas que tivemos sobre o conceito do álbum e mais uma vez mostrou porque é um dos maiores artistas da atualidade no país. Os álbuns “Roots” do SEPULTURA e “Don’t Break The Oath” do MERCYFUL FATE também estão homenageados nessa capa e creio que com uma olhada rápida isso fica claro.

T.S.: Ainda sobre a capa, em particular a contracapa, vemos uma imagem que remete à capital do nosso país Brasília em destroços...
Manu -
O fato desse feiticeiro estar em Brasília, um local comprovadamente místico, no centro do país e a muito tempo ligado aos desmandos da classe política, ajuda a trazer o conceito para a realidade atual do Brasil. Uma realidade que, pra muitos,representa algo positivo, mas, pra mim, não passa de idade média com celular (risos).  A capa nos leva para aquele lugar especial, com seu céu lindo, o nosso amado cerrado, num futuro livre de toda essa mediocridade e falácia. Um futuro regido pela lei do carma onde as máscaras não servirão para mais nada, assim como também as religiões não serão necessárias. Brasília é um lugar especial que tem sua imagem maculada pelos vagabundos que todos nós brasileiros continuamos mandando pra lá.

T.S.: As letras sempre foram importantes para o UGANGA e neste disco não foi diferente. Vocês poderiam jogar uma luz nessas letras pra galera?
Manu -
Apesar de cada álbum nosso ser inspirado em um determinado conceito, as letras tratam de temas distintos entre si. A conexão é que, sempre, como letrista da banda, busco algo de positivo ao escrever. Nunca reclamar por reclamar, saca? Muito menos apontar caminhos para as pessoas seguirem. Isso é pretensioso e chato a meu ver. Em “Servus” temos crítica social, fatos históricos, conflitos pessoais, reflexões... Agora com o álbum lançado vejo que me expus mais do que em qualquer outro álbum da banda. Mas não foi proposital.

T.S.: Sobre o custeio da obra, os recursos vieram da prefeitura de Uberlândia (MG) e do renomado Wacken Foundation. Fale-nos sobre como isso foi possível.
Manu -
O pessoal da Som do Darma, que trabalha com o UGANGA há uns 10 anos já, está sempre ligado nessas questões de como levantar fundos para custear gravações, viagens, etc... Não somos ricos para bancar a banda, todos temos nossas vidas particulares, demandas e nem sempre sobra dinheiro para investir no UGANGA. Por isso sempre quando iniciamos os trabalhos para um novo álbum, buscamos meios de captar verba, seja com projetos culturais, shows, venda de merchandising ou de que forma for. Planejamento é a chave. Nunca dependemos dessas verbas para seguir em frente e quem conhece a nossa trajetória de mais de duas décadas sabe disso. Porém se essa verba existe e se nos achamos aptos e merecedores, porque não tentar? Em relação a prefeitura de Uberlândia/MG, eles têm essa lei que destina fundos para artistas locais e o Eliton Tomasi, nosso empresário, está sempre monitorando essas possibilidades. Saiu o edital, nos inscrevemos, fomos selecionados e fizemos a prestação de contas de tudo, como pede a lei. Em relação ao Wacken foi também correria da Som Do Darma e ficamos muito felizes e honrados em ser escolhidos entre milhares de bandas do mundo todo que buscam esse apoio. Diferentemente das prefeituras, a Wacken Foundation (
http://www.wacken-foundation.com/home/ )é regida por roqueiros como nós e tem entre seus colaboradores nomes como ALICE COOPER ou DORO PESCH. Mais do que a ajuda financeira, ter nosso nome ligado de uma forma a um dos maiores festivais do planeta nos deixou extremamente honrados.
Marco Henriques (bt), Christian Franco (g), Thiago Soragi (g), Manú Joker (v), Ras Franco (bx) e Murcego Gonzáles (g/v)

T.S.: Durante a concepção da obra também houve uma mudança na formação da banda?
Manu -
Sim, no meio da pré-produção nos tornamos um sexteto com a entrada do Murcego González. “Servus” é o nosso primeiro trabalho com três guitarras e essa história é bem detalhada no documentário que consta em nosso DVD “Manifesto Cerrado” (2017). Para quem quiser saber mais a fundo tudo o que rolou o link é esse: https://www.youtube.com/watch?v=FLgcH9dN-OQ
(mais sobre o DVD na Toca: http://tocadoshark.blogspot.com/2018/07/uganga-na-linha-de-frente-do-metal.html)
    Após o lançamento do “Servus”, o Murcego teve que se desligar da banda por questões pessoais e no seu lugar entrou Lucas “Carcaça” (ex-KROW).

T.S.: Uma letra que chamou minha atenção foi a de ‘Couro Cru’. Poderíamos falar sobre ela?
Manu -
Essa é a letra mais antiga do álbum. Foi escrita em 1999 e trata da Folia de Reis, algo bem presente na cultura mineira. Eu cresci vendo os ternos de Folia de Reis passando pelas ruas com suas percussões, cores e simbolismos e quis homenagear essa cultura afro brasileira tão rica. A África sempre esteve presente na trajetória do UGANGA, seja no nome da banda, seja em nossa sonoridade ou em nossas memórias. ‘Couro Cru’ inicialmente saiu em nosso primeiro álbum “Atitude Lótus” (2002), mas sentimos vontade de regravá-la em uma versão definitiva.

T.S.: E as participações especiais?
Manu -
Novamente tivemos vários convidados no álbum, algo que é tradição no UGANGA desde nossas primeiras demos. No “Servus” contamos com a participação de FLAIRA FERRO, cantora e dançarina de Pernambuco e do violeiro LUIS SALGADO na faixa ‘E.L.A.’. Nessa música, assim como em ‘Couro Cru’, também tivemos os scratches do DJ EREMITA que já é parceiro das antigas. ‘O Abismo’ e ‘7 Dedos’ contaram com os vocais de Casito do WITCHHAMMER e Renato BT do JOHN NO ARMS, respectivamente. Em ‘7 Dedos’ também tem um trecho de guitarra gravado pelo Marreco da banda TOTEM e em ‘O Abismo’ tem um solo de sax no final gravado por um saxofonista daqui da área chamado MARCO MELO. ‘Hienas’ conta com uma parte cantada pelo rapper chileno DR. LEXICO e em ‘Depois de Hoje...’ tem uma fala do SR. WALDIR, um espiritualista daqui da nossa região. Por fim tivemos alguns amigos vocalistas do Triângulo Mineiro gravando coros em algumas faixas, todos devidamente relacionados no encarte. Procuramos convidar artistas que admiramos e todos mandaram muito bem. 

T.S.: Minas Gerais sempre exportou qualidade em termos de bandas pesadas. Da nova safra vocês recomendariam alguns nomes? Quais?
Manu -
Cara, aqui sempre teve muita banda boa e hoje em dia não é diferente. Posso citar grupos como CxDxFx, SEU JUVENAL, CANÁBICOS, BLACK PANTERA, OLORUM, TUROK entre vários outros. Também tem o pessoal da velha guarda que segue firme como o próprio WITCHHAMMER e o CIRRHOSIS que recentemente voltou à ativa.

T.S.: Pra fechar, quais são os planos a curto e médio prazo pra caminhada do UGANGA?
Manu - Agora com o álbum lançado a meta inicial é cair na estrada. Estamos indo em Maio pro Chile fazer uma mini tour com o ATTOMICA, temos um festival legal em BH também e mais datas sendo fechadas pelo país. Devemos voltar pela terceira vez ao nordeste e pela segunda ao sul e existe a chance de algo na Argentina ainda esse ano, mas não temos nada definido. Já lançamos um clipe da faixa título e em breve sairão mais três outros possivelmente para ‘7 Dedos’, ‘Hienas’ e ‘E.L.A.’ . Em 2019 o foco é América Latina, mas estamos mirando a Europa para 2020 e queremos ir além. Já iniciamos conversas para lançar o “Servus” em outros países, como rolou com os álbuns anteriores, tanto em vinil quanto em CD e dessa vez creio que também terá uma edição limitada em K7. Basicamente a meta é seguir firmes, unidos, com saúde, fazendo o que mais amamos que é tocar nossa música.
 


BANDA: UGANGA
DISCO: “Servus”
ANO: 2019
SELO: Independente (www.uganga.com.br)
FAIXAS:
1.  Anno Domini (Intro)/
2.  Servus/
3.  Medo/
4.  O Abismo/
5.  Dawn/
6.  Imerso/
7.  7 Dedos/
8.  Couro Cru/
9.  Hienas/
10.      Lobotomia/
11.      Fim de Festa/
12.      E.L.A./
13.      Depois de Hoje.../

    “...Errados somos nós, escravos coniventes de loucos genocidas insanos/ Errados somos nós, massa de manobra, não mais que servos...”
    Com esse refrão o UGANGA abre seu sétimo lançamento. “Servus” começou a ser gravado em 2017 e é o sucessor do muito bem sucedido “Opressor” de 2014, arrisco dizer que “Servus” irá ultrapassá-lo, tanto em qualidade quanto em aceitação, afinal de contas, temos aqui uma obra prima do som pesado nacional sem sombra de exagero!
    Gravado como sexteto, pelos irmãos Manú Joker (v) e Marco Henriques (bt/v) ao lado dos também irmãos Christian Franco (g) e Raphael ‘Ras’ Franco (bx/v) e dos guitarristas Thiago Soraggi e Maurício Murcego (este substituído por Lucas Carcaça após as gravações), o UGANGA vem numa crescente em sua carreira, agora com o apoio financeiro da Wacken Foundation e do Programa Municipal de Incentivo à Cultura da Prefeitura de Uberlândia/MG, eles conseguiram se concentrar nas composições, desenvolvimento e gravação deste álbum por quase dois anos, culminando neste material de primeira que nos oferecem através de letras profundas e que tem um conteúdo necessário às vivências humanas atuais, tanto em sociedade quanto consigo mesmo. ‘Servus’, ‘Medo’, ‘Imerso’ e ‘Hienas’ nos alertam para os perigos de se conviver com o ser humano atual, contaminado por baixos valores morais. ‘Couro Cru’ exprime uma espécie de homenagem à cultura da Folia de Reis e ‘E.L.A.’ é uma homenagem à mãe dos irmãos Marco e Manú que contou com a participação da cantora e dançarina pernambucana Flaira Ferro e Luiz Salgado. Aliás participações especiais permeiam o disco todo, como o grupo chileno de Rap LEXICO em ‘Hienas’ e Renato BT do JOHN NO ARMS em ‘7 Dedos’ entre tantos outros. Além disso ainda temos uma versão para ‘Lobotomia’ da clássica banda de Punk LOBOTOMIA.
    A capa e toda obra gráfica é uma arte de riqueza ímpar desenvolvida pelo artista pernambucano Wendell Araújo (que já trabalhou com RDP e CÓLERA) retratando várias religiões fundidas num misto de homenagens a capas de discos icônicos do MERCYFUL FATE (“Don’t Break the Oath”) e SEPULTURA (“Roots”) com uma forma de protesto contra a intolerância às religiões não cristãs no Brasil atual.
    “Servus” é um disco interessantíssimo, muito rico em detalhes e com muito a oferecer em seu pacote completo, por isso recomendo aos fãs, entusiastas e curiosos a adquirir o material físico ao invés do streaming para não perder nenhum detalhe que são muitos e foram exaustivamente pensados e aplicados com todo carinho e atenção que um fã do UGANGA merece.

Canais para contatos:

Fotos: divulgação (Som do Darma)


Nenhum comentário:

Postar um comentário